quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Camarões e “ditadura do meio ambiente”


De Janaina Paschoal, doutora em direito penal pela USP, advogada e professora livre-docente da Faculdade de Direito da USP, sobre a decisão da 2ª Turma do STF, que, por maioria, absolveu um pescador condenado a um ano e dois meses de prisão por pescar 12 camarões no período de defeso [quando a pesca é proibida]:

Merece aplausos o acórdão prolatado pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, nos autos do Habeas Corpus nº 112.563, concedendo a ordem para aplicar o princípio da insignificância em sede de crime ambiental, em caso de condenação pela pesca de 12 camarões.
O princípio da insignificância não se aplica apenas aos crimes patrimoniais, sem violência, ou grave ameaça. Ele tem cabimento sempre que o bem jurídico (valor social) tutelado não reste consideravelmente lesado.
Dessa forma, por mais importante que seja o bem jurídico meio ambiente, e por mais que mereça a tutela penal, não há qualquer justificativa para submeter um indivíduo à punição, pela pesca de 12 camarões.
Paralelamente à discussão jurídica, tem-se que este caso serve bem de exemplo para mostrar o quão descabida é a nossa legislação relativa aos crimes ambientais.
Quando o Supremo Tribunal Federal, a mais alta Corte do país, precisa parar para analisar uma situação de tal natureza, fica claro o quanto a aplicação ativista do Direito Penal precisa ser revista.
A bem da verdade, não havia nenhuma razoabilidade sequer para submeter esse sujeito a um processo crime.
Por causa de 12 camarões, que mal dariam uma moqueca, um delegado, um escrivão, um promotor, um juiz, uma Câmara de Tribunal e um Turma do STJ precisaram se ocupar e, automaticamente, deixaram de cuidar dos problemas que realmente importam para a sociedade.
E é importante perceber que nenhuma dessas autoridades teve a coragem de, contrariamente à ditadura do meio ambiente, reconhecer e reverter essa situação absurda.
Precisaram os Ministros (e por maioria e não por unanimidade) reverter o teratológico quadro.
O pior é que o horizonte não mostra melhora.
O Projeto de Código Penal que tramita no Senado prevê situações ainda mais inacreditáveis como crime. Além dos absurdos que já vigoram, punem o abandono de animais e a omissão de socorro aos animais, com pena muito superior que a imposta a quem omite socorro às pessoas.
Quando pensamos que andamos para frente, retrocedemos.
Leiam esse acórdão com vagar e decidam qual Direito Penal queremos ter.
Os recursos públicos, materiais e humanos, são escassos. Não podemos despende-los em situações insignificantes.
Nós queremos a punição de quem desvia milhões e não do infeliz que pesca alguns crustáceos.



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